domingo, 1 de fevereiro de 2009

A fotografia e a periferia (1) Carlos M Teixeira




I.

A fotografia, a invenção que iniciou a atual predominância das imagens sobre os textos, tem sido vista como um filtro nocivo entre a realidade e o sujeito desde que Louis Daguerre divulgou seu daguerreótipo, em 1839. Nesse ano, pela primeira vez na história da ótica e da química da câmera obscura, foi possível resolver o problema secular da fixação da imagem de maneira a evitar seu desaparecimento, quando Daguerre descobriu o composto químico hoje conhecido como "fixador" pelos fotógrafos. 17 anos mais tarde, a Universidade de Londres incluía a fotografia em seu currículo. Antes, porém, no prefácio da segunda edição de A Essência da Cristandade (1843), o filósofo Ludwig Feuerbach já observava que seu tempo preferia a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade.

Com sua ótica racional baseada nas leis da perspectiva, a câmera fotográfica tornou popular essa forma de representação desenvolvida no século XV, nos primórdios do Renascimento Italiano (a chamada prospettiva). Desde então, assistiu-se a uma reconstrução radical do espaço que, passando pelo desenvolvimento da ciência no Iluminismo, culminaria na superracionalização dos instrumentos da perspectiva ótica.

À racionalização da representação do espaço, seguiu-se a racionalização da construção do espaço – incluindo aí desde o desenho de cidades a edifícios e objetos. Conseqüência de uma longa tradição que foi consolidada no espaço urbano homogêneo do século XIX, os recentes fracassos do funcionalismo do urbanismo moderno são, a grosso modo, o resultado da maneira estritamente científica de se conceber e planejar edifícios e espaços urbanos. As motivações funcionais do atual mundo da fotografia, do vídeo, da computação gráfica, das redes de computadores e do fascínio pela telemática têm contribuído para transformar as representações do espaço em projeções pragmáticas que deixaram de lado aspectos mais subjetivos, substituindo-os por formas de projeção não tão capazes de expressar, no âmbito das duas dimensões, a ordem simbólica do mundo.

É fato verdadeiro que o processo de construir carrega consigo uma dimensão que não pode ser reproduzida através de imagens da obra construída, sendo que os aspectos controversos das leis da perspectiva foram denunciados logo após a popularização dessa descoberta entre os artistas. Já no século XVI, Michelangelo entendia o corpo humano como uma fundação para todas as artes, e criticava o pintor Dürer por tentar fixar uma imagem estática do corpo. Em contraste com um número significativo de seus contemporâneos, Michelangelo não compartilhava a idéia da possibilidade de se fazer arquitetura através de projeções. Sua obra, pelo contrário, era fundada em uma abordagem incorporada da tarefa de construir (2).

Reciprocamente, as representações arquitetônicas também podem ser consideradas como imagens com o potencial para englobar toda uma ordem subentendida. Assim, podemos considerar a fotografia positivamente tomando-a como aquela feita pelo agente cultural preocupado em desvelar a distância enigmática entre a realidade do mundo e suas projeções. A possibilidade de uma arquitetura com significado depende, em parte, da realização de que uma representação deve também se referir a alguma outra coisa. No processo de entendimento das cidades, é importante que não se tome como garantidos certos pré-conceitos sobre imagens arquitetônicas e urbanas, e que se defina os instrumentos para gerar um modelo mais abrangente de compreender as complexidades do meio ambiente urbano. É importante, portanto, que os arquitetos busquem novas narrativas capazes de resgatar uma consciência crítica das implicações culturais das ferramentas convencionais de representação, já que o modo como se enxerga as cidades está diretamente ligado ao potencial para se criar cidades mais eloqüentes em sua dimensão social (3).

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