segunda-feira, 9 de março de 2009

Exposição discute ética das imagens , Folha de Sao Paulo, 09 de marco de 2009

"Controverses" debate poder, sexo e religião em 170 anos de história da fotografia, na Biblioteca Nacional (Paris)

GABRIELA LONGMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

As imagens são bem conhecidas; as disputas de poder por trás delas nem tanto. Apoiados em 170 anos de história da fotografia, o curador Daniel Girardin e o advogado Chistian Pirker escolheram 80 casos fotográficos polêmicos que chocaram o público, dividiram opiniões ou geraram processos históricos na justiça. O conjunto forma a exposição "Controverses" (controvérsias), inaugurada na última terça em Paris, no prédio da antiga Biblioteca Nacional, onde permanecerá até o dia 24/5.
A tentativa é traçar uma "história jurídica e ética da fotografia", da invenção do daguerreótipo (1839) à época atual. Um texto acompanha cada foto, apresentando seu contexto e as discussões por ela geradas. Como a justiça e a opinião pública lidaram com a imagem ao longo do tempo? As discórdias quase sempre envolvem liberdade de expressão, privacidade, direito autoral ou manipulação.
Alguns exemplos: em 1860, as fotos que o escritor Lewis Carroll tirou de Alice Liddell (a menina que inspirou a personagem) geraram suspeitas de pedofilia que perduraram, embora nada jamais tenha sido provado. Pode a imagem de uma criança revelar a perversidade daquele que olha? A mesma dúvida é retomada numa foto dos anos 80: Garry Gross fotografou Brooke Shields, nua e supermaquiada, com apenas dez anos. Embora a foto tenha sido autorizada por sua mãe, Shields, depois de crescida, processou o fotógrafo.
Sexo, religião, poder e guerra são as palavras-chave. Não é à toa que um texto na entrada adverte que o público poderá ter "sua sensibilidade ferida". Deve-se exibir cadáveres em todo o seu horror? O Cristo imerso em urina fotografado por Andrés Serrano desrespeita os seguidores da fé cristã? As imagens do Holocausto traduzem o horror dos campos? O trabalho de Sebastião Salgado deve ser entendido como denúncia social ou estetização da miséria?
Ao longo do percurso, cenas artísticas, jornalísticas e publicitárias são colocadas lado-a-lado, como se essas categorias não dessem conta da complexidade de uma fotografia. A data revela-se mais importante do que o gênero. "O que nos interessou foi o debate público que cada uma dessas imagens suscitou. Nós quisemos mostrar posições que se enfrentaram, sem tomar partido", escreveu Girardin na apresentação.
Conceitos de verdade, veracidade e autenticidade são postos à prova. Pode uma foto servir de prova criminal? Cenas da Comuna de Paris (1870) e da prisão de Abu Ghraib, em 2003, levantam a questão. São apenas dois de infinitos exemplos.

Fonte: folha online

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